segunda-feira, 30 de junho de 2008

No barreiro da paca encantada


Lá para as bandas das matas de Tarauacá existia o sobrenatural barreiro da paca encantada, de muita fartura, tatu, veado, cutia.

Conta meu Pai que poucos eram os homens que se atreviam a esperar no local.

A mata tem seus mistérios e encantos. A escuridão impõe medo e exige respeito.

Ninguém ousa desafiar uma voz, um ruído, um movimento, um insulto qualquer das forças ocultas que se manifestam nas noites das florestas.

"Quem tá aí". "Bate mais perto se tu é corajoso". "Oi". "Vai embora". "Quem é?". "Não tenho medo de ti". "Pode assoviar". Êee, meu amigo! Não existe homem para tanto.

Meu Pai diz que é nessas horas que a bondade entra no coração das pessoas. Para sobreviver ele fixa o pensamento na luz, nas coisas boas da vida, no bem, na família, na amizade, na gratidão, em Deus. O orgulhoso pede perdão. O valentão se torna manso. O corajoso se arrepia de medo. O vaidoso conhece a humildade. O incrédulo ganha a fé.

No barreiro da paca encantada era assim, só que um pouquinho pior. Todas às noites, quando na espera, os caçadores percebiam, bem embaixo da rede, pelo o andar, pelo o comer, pelo o ruído que fazia, a chegada de uma paca. Quando focavam a lanterna e miravam a espingarda, nada viam. Quando apagavam, tudo voltava a acontecer. Acendiam, e nada; apagavam, e tudo.

E assim se sucedia à noite toda. Ninguém era doido para falar alguma coisa. Além disso, as redes se balançavam por si só, chicotadas zuniam no ar, passando por perto dos ouvidos dos caçadores e estrondando no chão, por diversas vezes, pancadas fortes. "Vuuummmptpáaaa". "Vuuummmptpáaa". "Vuuummmptpáaa".

Quando a mata percebe que você é suficientemente respeitoso, ela passa a lhe respeitar também, deixando-lhe em paz.

Essas experiências e ensinamentos são repassados para nós com todos os dramas que você pode imaginar. Na forma de falar, ora alto ora bem baixinho, sempre cavernosa; na maneira dos gestos, ora bruscos ora lentos e quase imperceptíveis; no jogo do olhar, ora abertos ora fechados, ora grandes ora pequenos. Encantamento, aprendeu a encantar com a paca encantada.

Meu Pai é um grande contador de histórias, e nas rodadas das conversas ele é o Pajé. Vida longa ao Pajé!

sexta-feira, 27 de junho de 2008

O melhor lugar para se viver na Amazônia a partir de 2.010


Só discordo da frase do governador do Acre neste aspecto. Eles diz "até 2.010", eu digo a partir de 2.010.

A partir de 2.010 um novo projeto governará o Acre, e aqui será o melhor lugar para se viver na Amazônia.

O Ministério Público será mais independente.

O Poder Judiciário será mais livre.

Os sindicatos se fortalecerão.

O povo respirará mais democracia.

A floresta será vista e tratada como um santuário.

A imprensa poderá exercer com mais dignidade seu papel.

As instituições serão aperfeiçoadas.

Novos homens governarão, sintonizados na nova era.

O medo será substituído pelo respeito.

O direito imperará.

Um ciclo chegará ao fim, e um novo será estabelecido.

Essas mudanças já estão em curso, independente da vontade daqueles que acham que do jeito que estar assim permanecerá por longos tempos.

Já está na hora de procurar um barco seguro para navegar, principalmente aqueles que se encontram iludidos pela hipnose do poder.

Uma violência contra os acreanos


Apedeutas e louvaminheiros ligados ao governo noticiam os benefícios que o Acre terá com estabelecimento do novo horário. Todas as justificativas apresentadas são tão tolas que não merecem contradita.

A violência imposta ao Acre não é de pouca monta, em breve eles saberão.

Nem ao menos tivemos a chance de opinar. Só em outubro poderemos dizer se o PT respeitou ou não a sociedade acrena ao agir desse jeito.

Mais uma vez a dignidade dos acreanos foi ferida.

Nossa cultura, nossa noção do tempo, nossa harmonia com a movimentação dos astros, de uma hora para outra entrou em desalinho, em descompasso, em perturbação.

Insatisfação de todos os lados, das crianças, dos velhos, dos adultos, dos jovens.

Mas não é novidade o que fazem; o Acre, para eles, será sempre um lucrativo balcão negócios.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Os torquemadinhas dos cartórios


No geral, os advogados são bem tratados nos cartórios forenses da nossa comarca. Aqui e ali é que aparecem alguns torquemadinhas querendo obstruir o pleno exercício da advocacia.

No mais das vezes, os torquemadinhas são infeliz com o que são e com o que tem. Não gostam de seu corpo, não gostam de sua condição social, não gostam da família que os cercam, não apreciam o trabalho que realizam. São tardinheiros e preguiçosos, burocratas autoritários e serviçais.

Atendem mal os advogados, com cara emburrada, dificultam a consulta aos processos, são puxa-sacos de juízes e de promotores e de todos aqueles que para eles representam autoridade.

Eles têm certa prevenção contra os advogados exatamente porque são fiscalizados e cobrados.

Tenho prestado atenção a esses chefetes, e cheguei a conclusão que eles são o espelho do juiz e do promotor da Vara, principalmente daqueles que sofrem de juizite e promotorite, e acham que são deuses, que são a própria lei, e portanto, inatingíveis por ela.

Cabe aos advogados tratar essa espécie de fauna forense com muita energia, reagindo a altura da nossa dignidade profissional, como sabemos fazer bem, mostrando aos torquemadinhas que eles não são tão poderosos como julgam ser, que são pagos com o dinheiro público, e que têm por dever atender bem a todos, agindo dentro da legalidade, da ética e da transparência pública.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O grande pregador


São João Batista, primo de Jesus, foi o maior profeta bíblico, o grande pregador anunciado por Isaias, ou nas palavras do Mestre "o maior homem nascido de uma mulher".

De voz forte, de olhar penetrante, de coragem invejável, de gestos largos, clamava no deserto e denunciava as imoralidades de seu tempo, convocando o povo a seguir as veredas do reto agir.

Batizou Jesus nas águas do Rio Jordão, e iniciou uma nova era para a humanidade, apresentando-o como o Messias Salvador.

Os chefes de seu tempo, incomodados com seu verbo cortante e sua liderança eficaz, cortaram-lhe a cabeça.

Orador das multidões, sabia de sua missão de anunciador do Reino de Deus, forjado que foi, deste o ventre de Isabel, pela ação do Espírito Divino.

Padroeiro de todos aqueles que buscam nos ensinos de Jesus o reencontro da nossa verdadeira origem espiritual.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Confesso que lutei

Li, recentemente, o livro Fórmula do Sucesso na Advocacia, do famoso advogado tributarista Raul Haidar. Condensou, em belas páginas, trinta anos de experiência no ramo.

Ensina o velho causídico que nossa profissão se constrói com profissionalismo, perseverança e paciência.

No caso Roberto Filho procuramos agir assim. Sabíamos que a guerra não seria fácil. Seria longa, arriscada, cansativa, emociante, cheia de altos e baixos.

Sentia o peso da causa como se estivesse levando em meus ombros o peso de uma montanha.

Noites insones, intensos diálogos comigo mesmo, sofrimento escondido, abafado. Não desfrutei Natal, Ano-Novo, Páscoa, mergulhado que estava nos hábeas corpus e nos embates públicos relacionados ao episódio.

Não foi fácil enfrentar poderosos, arrostar ilegalidades, rebater inverdades, impor limites a irracionalidade acusatória, sem perder a ternura, a ética, o respeito as instituições e as pessoas.

Ao contrário do que esperavam os opositores de Roberto e Bebeto, a sociedade demonstrou simpatia pela causa, e a imprensa cobriu os fatos ouvindo a defesa, com muita atenção e respeito.

Não fiz esse trabalho sozinho, seria impossível. Recebi a ajuda de muitos.

Alguns quiseram denegrir, na escuridão do anonimato, minha honorabilidade, inventando boatos para agradar e se aproximar de autoridades. Andei por terreno pantanoso, cheio de jacarés vorazes e almas invejosas. Mas fixei meus pensamentos na faixa da luz e tive a proteção divina.

Não tenho dúvidas que este caso estará entre os maiores e mais complicados processos da minha vida profissional.

Aprendi bastante, cometi erros, acertei também, falei, silenciei, avancei, recuei, perdi, ganhei, ri, chorei. Aprendizagem que nenhum curso de doutorado consegue oferecer.

Muito acertadamente a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Acre concedeu a Roberto e a Bebeto o direito à liberdade para aguardar os recursos nessa condição.

Peço a Deus que continue iluminando nossas instituições e seus representantes, para que nosso Acre seja a cada dia menos político, e mais jurídico, civilizadamente jurídico.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Meu grande mestre, o silêncio


Imagine o funcionamento do cosmos, uma eterna meditação, um profundo silêncio, só luz, só paz, só amor. Nenhuma palavra, ou melhor, nenhuma palavra materializada.

Bem-aventurados os silenciosos porque ouvirão as grandes verdades.

No silêncio moram os grandes discursos, as sublimes canções, as belas poesias, as encantadoras imagens.

São ouvidos e vistos com o espírito, na revelação da Superioridade. Nenhum barulho, nenhuma perturbação.

Os grandes mestres espirituais foram homens de poucas palavras, amantes do silêncio. Só falavam quando necessário para indicar o caminho e apontar o destino.

A busca espiritual é, em certa medida, a busca do silêncio.

No jardim das palavras



No jardim das palavras, a rigor, não gosto muito dos romances, são longos, enfadonhos e de leitura comprida. Só leio os que valem a pena serem lidos.

Há quem goste de José Saramago, bom proveito. Seus parágrafos infindáveis e sem respiração me cansam.

Prefiro o conto, a parábola, a crônica, os aforismas, os provérbios, as histórias curtas da tradição oral. São mais proveitosos.

Comprei um livro ontem sobre as estratégias do advogado nas audiências, e deparei-me com uma sapiente frase latina que diz: Lex non este textum sede contestus - a lei não é o texto, mas o contexto.

A partir deste brocardo, um mundo de argumentos se abre a meu favor, principalmente nas teses que defendo no Tribunal do Júri para justificar a ação de alguém.

Já absolvi um réu no Júri Popular sem precisar recorrer a nenhuma lei escrita; a frase de Ortega y Gasset, filósofo espanhol, me bastou: "Eu sou eu e as minhas circunstâncias".

Daí porque aprecio tanto os textos curtos, as histórias precisas, as verdades reveladas em poucas páginas. Lembro-me de um pensador americano que falou: "não existe nada de tão importante no mundo que não possa ser escrito em uma lauda".

A objetividade, a concisão, a clareza, a brevidade, a simplicidade são as flores que precisamos cultivar no nosso jardim feito de palavras.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Gargalos do Sistema Penitenciário do Acre

O cuidado que se deve ter com os encarcerados é de ordem ética e religiosa. São Paulo, em Carta aos Hebreus, nos exorta: "Lembrai-vos dos prisioneiros, como se vós fôsseis prisioneiros com eles, e dos que são maltratados, pois também vós tendes um corpo" (Capítulo 13, 3). Winston Churchill afirmou que os métodos penais usados por uma sociedade são o índice e medida do seu grau de civilidade. O grande romancista russo, autor de Crime e Castigo, Dostoievski, asseverou: "os standards de civilização de uma nação podem ser aferidos quando abrimos as portas das suas prisões". Falava de sua própria experiência, porque esteve na prisão do império russo, prisão que o inspirou a escrever o clássico "Recordações da Casa dos Mortos". Sob essa benéfica influência do Livro dos livros e de homens que ainda hoje são guias da humanidade, é que nos animamos em discutir o nosso próprio sistema penitenciário, lançando luzes aos fatos e apontando soluções.

O Brasil tem hoje uma alarmante quantidade de presos. Já são 420 mil pessoas encarceradas. Segundo a folha de São Paulo, edição de 25 de dezembro de 2007, p. C1, 120 mil presos ainda não foram definitivamente condenados. Presos provisórios, portanto. Nas cadeias públicas se entulham 60 mil detentos, também ainda não definitivamente condenados. Como conclusão lógica, 40% dos acusados do Brasil ainda aguardam julgamento definitivo. O Estado do Acre, apesar de ter apenas 600 mil habitantes, em seu sistema penitenciário, já acomoda mais de 2.500 pessoas. No nosso caso específico, o percentual de presos provisórios é maior do que a média brasileira. Chegamos a quase cinqüenta por cento. E porque temos esse absurdo de presos provisórios? Eis o primeiro gargalo, responsável por quase cinqüenta por cento dos que estão no sistema penitenciário.

É princípio constitucional encartado no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, do título dos direitos e garantias individuais, que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. A Lei infraconstitucional, no caso o Código de Processo Penal, como regra recepcionada pela Constituição, impõe ao juiz que as prisões em flagrante só podem ser mantidas se existirem pressupostos da prisão preventiva. Mesmo assim, apesar da clareza solar das regras constitucional e legal, as pessoas, pelos casos mais banais, são mantidas na prisão. A cultura brasileira de ver na prisão celular a única forma de punição é muito forte, ao ponto de um Ministro Estado da Justiça - Francisco Campos -, dizer que: "Governar é prender". A cultura acreana, nesse particular, é caudatária da nacional. Há no Acre uma enorme quantidade de pessoas presas provisórias que poderiam estar respondendo a seus processos em liberdade. A decisão de prender ou manter preso, é ato mais de vontade, por influência cultural, do que legal ou constitucional.

O Sistema Penitenciário, como estatuído na Lei de Execuções Penais, compreende uma penitenciária para os presos que cumprem pena em regime fechado, uma colônia agrícola ou industrial para os que cumprem pena em regime semi-aberto, uma casa do albergado para os que cumprem pena em regime aberto, um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destinado aos inimputáveis e semi-imutáveis e a cadeia pública, destinada aos presos provisórios. O sistema penitenciário acreano ainda não dispõe da casa do albergado nem da casa de custódia. É o segundo gargalo. José G. V. Taborda, em seu livro "Psiquiatria Forense", afirma que os prisioneiros são uma população com incidência elevada de transtornos mentais – da personalidade e por abuso de álcool e drogas – dado a estresses físicos e emocionais graves. Indica que 10% da população carcerária é portadora desses transtornos, sem se falar nos riscos de suicídio que é bem mais elevado do que dentro da população em geral. A casa de custódia no Estado do Acre esvaziaria o sistema em, pelo menos, 250 detentos, dando-lhes direito de acesso à saúde mental e dignidade.

A globalização provocou grandes deslocamentos de pessoas entre vários países do mundo, e consequentemente aumento da incidência de criminalidade praticada por estrangeiros. O fenômeno não escapou à disciplina das Nações Unidas. O Ministério da Justiça do Brasil, em 2004, editou um manual de "Transferência de Pessoas Condenadas", onde registra a importância do mecanismo legal: "O instituto de transferência de pessoas condenadas para cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais em seus países de origem tem cunho essencialmente humanitário, pois visa à proximidade da família e de seu ambiente social e cultural, o que vem a ser importante apoio psicológico e emocional facilitando sua reabilitação após o cumprimento da pena". O Acre já tem mais de 80 presos estrangeiros. Na sua maioria esmagadora oriundos dos dois países vizinhos (Peru/Bolívia), com os quais o Brasil está em intenso processo de integração. O Brasil mantém tratados de transferência de presos com esses países. Impõem-se a necessidade urgente de execução dos tratados.

Por derradeiro, constata-se como gargalo do Sistema Penitenciário acreano, a deficiência na assistência judiciária aos acusados de uma maneira geral, e, em particular, aos próprios encarcerados. O advogado tem papel nobilíssimo reservado pela Constituição Federal. É indispensável à administração da justiça. No seu ministério privado – diz o Estatuto da Ordem – presta serviço público e exerce função social. Porém, no Estado do Acre, os advogados criminais, nos últimos 30 (trinta) anos, não tiveram o incentivo necessário da Ordem dos Advogados, à reciclagem profissional. Façamos autocrítica. Os jovens não se preparavam para o exercício dessa bela profissão. Eis porque, muitos acusados, recebem deficiente defesa em primeiro grau e quase nenhuma no segundo grau. Só agora o Governo decidiu reestruturar a Defensoria Pública. A nova Ordem dos Advogados e a nova Defensoria Pública podem melhorar este estado de coisas, prestando melhores serviços à sociedade acreana.

Assim, no seu compromisso com a segurança pública do Estado do Acre, em agosto do ano em curso, quer a nova Ordem dos Advogados realizar um grande Seminário para discutir os aludidos gargalos, convocando a sociedade para tal, no escopo de solucionar os problemas que ora suscita, contribuindo para a pacificação social.

Florindo Poersch é Presidente da OAB/AC

Valdir Perazzo é Defensor Público

A imparcialidade do juiz


A imparcialidade é o maior virtude de um juiz. É a trave-mestra de todas as outras virtudes.

Se ele é imparcial é porque é corajoso, ético, decente, honesto, transparente.

Causa um dano social imensurável o juiz que não aplica o direito com imparcialidade, porque espalha a insegurança jurídica e a desconfiança no Poder Judiciário.

O juiz que perde a imparcialidade perde a autoridade. Não sabe o magistrado o grande mal que está causando a si mesmo. Dizia Sócrates, em Gorgias, que "é melhor sofrer do que cometer uma injustiça". E maior pena recairá na vida daqueles que fizeram os outros sofrerem.

Nenhum juiz injusto escapará das grandes verdades que lhe serão reveladas. Não pode, pela função sacramental que exerce, agir movido por outros interesses senão os da justiça. A Biblía é cheia de exortações aos juízes. Ensina como deve ser exercida a magistradura e mostra, com clareza, os castigos que advirão da violação da lei.

Quantas mães não choram, quantos lares não são destruídos, quantas vidas não são paralizadas por decisões injustas!?

Não teríamos razão para temer nada se o mundo em que vivemos estivesse sob o império de homens justos. Não temeríamos o arbítrio, não temeríamos a mentira, não temeríamos a injustiça.

Não há prazer maior na vida, dizia o criminalista americiano Daniel Webster, de que o de acordar cedo pela manhã e poder afirmar: temos justos juízes.

Diante das imparcialidades é dever que emana do espírito denunciá-las, desmascará-las, expô-las, como fez o Profeta Daniel com os juízes que julgaram injustamente Suzana: "Ó homens envelhecidos na malícia, agora teus pecados vão aparecer, tudo o que já vinhas praticando, ao dar sentenças injustas, condenando o inocente e deixando sair livre o culpado, quando a palavra do Senhor é : ´Cuidado para não condenar o inocente e o justo`".

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O patrão é a consciência

Deparei-me, hoje, no Fórum Barão de Rio Branco, com um cliente enraivecido pela atuação de seu advogado, e a primeira vista, com motivos. Falou-me que o advogado nada faz em seu favor.

Só perdeu a razão quando perguntou-me, em tom afirmativo: "O cliente não é o patrão do advogado!?"

Minha resposta foi instintiva, segura, senti-me atingido: "Não meu amigo, não é, o advogado não tem patrão. Nem governo, nem juiz, nem papa, nem ninguém é o patrão do advogado; se é que ele tem patrão, o único é a consciência. Ele tem deveres decorrentes do contrato que assinou com o senhor, mas isso não o faz um empregado seu."

O cliente estava certo em se indignar com a negligência de seu advogado, e existem meios legais de cobrar o serviço que ele se dispôs fazer. Agora dizer que o cliente é patrão do advogado, é meu dever esclarecer que não é, a advocacia está acima dessas relações.

A importância espiritual do Advogado do Diabo


Muitos não sabem que o Advogado do Diabo é uma figura eclesiástica, de suma relevância, surgida na época do processo de santificação do Padre José de Anchieta.

Conta Pedro Paulo Filho, no livro Advogados e Bacharéis: Os Doutores do Povo, que nos processos de canonização, o Advogado do Diabo é aquele que tem como função rebater e impugnar as justificativas favoráveis ao nome proposto, encontrar e denunciar todos os fatos contra o candidato às honras da santidade. Também é chamado de Promotor da Fé.

Ao contrário, chama-se advogado de Deus aquele que é designado para apoiar e robustecer as provas e documentos a favor do candidato a santo.

O papel do Advogado do Diabo é tão nobre e prestigiado quanto o do Advogado de Deus. O Advogado do Diabo quer que a canonização se faça, mas que o ato se revista de credibilidade e prestígio para Igreja, santificando somente aqueles que merecem ser santificados. O Advogado do Diabo está sempre de olho nos erros e quem quiser se livrar de sua sentença precisa andar no caminho reto.

O Padre José de Anchieta até hoje não é santo devido a atuação enérgica do Advogado do Diabo.

Conta-se que o Padre José de Anchieta, no Brasil Colônia, ajudou um carrasco a enforcar Jean Bolés, herese protestante condenado a forca. No cadafalso, com a corda no pescoço, estrebuchava e não morria, por incúria profissional do carrasco. Anchieta teria ajudado a abreviar o sacrifício do infeliz.

Durante o processo de canonização, levanta-se o Advogado de Deus e diz: "Foi um ato de humanidade".

O Advogado do Diabo rebate: "Foi um crime contra as leis divinas, a ninguém é dado o direito de matar."

Na demanda, venceu o Advogado do Diabo e até hoje Anchieta não passou da condição de Beato.

Com o passar do tempo a expressão Advogado do Diabo, em sentido figurado, passou a designar aquele profissional malicioso, matreiro e hábil que com artimanhas e competência vencia as demandas judiciárias.

Podemos perceber que o papel exercido pelo Advogado do Diabo é espiritualmente muito importante. Desmascara as falsas poses, denuncia o que está oculto, derruba o véu da hipocrisia, conhece os pecados dos que se dizem éticos, bons e santos. Só quem consegue sair incólume das artilharias de um competente Advogado do Diabo é que merece a coroa do triunfo.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

A Saída para o Pacífico e a Defensoria Pública

Nos dias 06 e 07 do mês corrente, a cidade de Rio Branco foi sede de um importantíssimo evento. Com sucesso e aplauso de todos, o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil realizou o Seminário Internacional: "Saída Para o Pacífico e Áreas de Livre Comércio", no qual se fizeram presentes muitas personalidades estrangeiras, parlamentares federais, estaduais, municipais, líderes empresariais, estudantes e pessoas do povo. No conclave, tive a honra de representar a Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Acre, na qualidade de Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Entidade. Coube-me o privilégio de falar no importante painel de abertura, cujo tema foi: "Saída para o Pacífico: Por quê e para quê"?

Faz alguns anos que a questão é objeto de minhas preocupações e reflexões. Ao voltar para o Brasil de um evento jurídico na cidade de Sucre, Bolívia, no ano de 1994, a discussão sobre a saída para o Pacífico estava se iniciando, liderada pela Federação das Indústrias do Estado de Rondônia. Imiscui-me na discussão. Fui co-autor do livro "O Bloco Bolivariano e a Globalização da Solidariedade: Bases para um Contrato Social Universalista", escrito sob a liderança intelectual do Dr. Rossini Corrêa. O trabalho tinha como escopo criar um discurso propenso à integração Latino-americana, no seio da população do Norte do Brasil, dirigido, especialmente, àqueles que estavam suscitando o debate, isto é, os empresários.

Foi motivo de nossa preocupação o reducionismo com que o tema da integração era tratado naquela época. Basicamente os empresários propunham a construção de uma estrada que ligasse o Brasil aos portos do Oceano Pacífico, a partir do Estado do Acre. A proposta está praticamente concretizada. A idéia já é uma realidade. Cinqüenta por cento da estrada que liga a cidade peruana de Iñapari a Arequipa, no mesmo país, já está asfaltada. Passados esses anos todos, parece-me que o enfoque da discussão ainda é "A Saída Para o Pacífico", quando o tema, a meu ver, objeto da discussão, em primeiro plano, deve ser a Integração Latino-americana. A saída para o Pacífico deve ser apenas uma das formas de integração, isto é, integração física, que inclusive pode ser feita por outros meios: hidrovias, ferrovias e aerovias.

E porque achávamos que a idéia era reducionista da discussão? Assim entendíamos em razão do que preceitua a Constituição Federal em seu art. 4°, parágrafo único: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". A propositura de uma simples estrada aos nossos vizinhos poderia passar a idéia de que os objetivos do Brasil eram apenas de prêa e dominação, suscitando temores de que o nosso país pudesse ter a pretensão de exercer uma liderança imperialista na Região do Subcontinente. Fazíamos coro com o que dizia Oliveira Viana: "...o sentido da evolução e da expansão dos povos americanos não é da conquista ou a da destruição e, sim, o da solidariedade, da continentalidade, da universalidade".

Fazia sentido, no inicio dos anos 90, do século passado, a discussão sobre a saída para o Oceano Pacífico. Creio que hoje o mais adequado seria falarmos na Integração Latino-americana, e a saída para o Pacífico apenas como um subtítulo, dentro do capítulo da integração física da Região. O principal é a integração da Região. A saída para o Pacífico é o acessório. Essa discussão tem importância? Tem. Se o tema principal do Seminário fosse a integração haveria espaço para outras discussões que não apenas o aspecto econômico decorrente da construção da estrada. Se poderia também discutir a questão cultural, por exemplo, e nela a questão jurídica. Não se pode falar em integração deixando-se de lado o referido tema. A organização de uma comunidade – Comunidade Latino-americana - como se pretende, passa, necessariamente, pela questão do Direito.

Sendo a pauta de discussão a integração Regional, não podemos pensar apenas nos benefícios desse processo, olvidando-se de outros aspectos. Integração é um fenômeno da Globalização que tem efeitos positivos e negativos. Um dos efeitos negativos da mundialização é a transumância. A migração em massa, na sua esteira, deixa um rastro de problemas, destacando-se: crescimento acelerado da violência contra os excluídos do processo da globalização em seus aspectos positivos, drogadição, xenofobia, criminalidade organizada, subemprego, desemprego, prostituição, alcoolismo, superlotação carcerária dos presídios, menores em risco social, paternidade irresponsável e muitos outros. Bem ainda não concluímos o processo de integração com os vizinhos, já se nota um vertiginoso crescimento da população carcerária de estrangeiros no Acre. Oitenta por cento desses presos são peruanos e bolivianos. Existem comunidades na internet de visível conteúdo xenófobo contra os bolivianos, que trabalham em condições subumanas no Estado de São Paulo.

Pois bem, como dito, o momento é de discussão da Integração Latino-americana. O Acre com sua posição geopolítica privilegiada, posto que fazendo fronteira com dois países da Comunidade Andina, exerce um importante papel para liderar esse debate. Mas, como referido, não pode ficar apenas falando em saída para o Pacífico. Impõe-se a necessidade de se impulsionar a integração que acarreta o progresso , mas sem se perder de vista os problemas que dela advêm. Nesse contexto é que entra o importantíssimo papel a ser desempenhado pela Defensoria Pública. É essa instituição organizada uma das que pode arrostar os grandes problemas oriundos do processo de integração do Subcontinente. A Defensoria Pública é uma das instituições que vai contribuir para que o desenvolvimento sustentável da Região, ora iniciado com a integração física, se dê sob a égide da cidadania e dos direitos humanos.

Para finalizar esse artigo, destaco apenas um problema que a Defensoria Pública do Estado do Acre já vem debatendo há alguns meses, no escopo de solucioná-lo, e que é fruto da integração regional: os presos estrangeiros nos presídios acreanos. O aumento do número de presos estrangeiros se faz sentir à medida que os blocos econômicos se fortalecem. Isso é esperado também na América Latina. Eis porque, o instituto que permite que um preso estrangeiro cumpra pena em seu país de origem, e não no país em que foi julgado, foi disciplinado pela vez primeira na Convenção Européia sobre Transferência de Pessoas Condenadas, celebrada em Estrasburgo/França, em 1983. Em 2004, o Estado do Acre tina apenas 11 (onze) presos estrangeiros. Hoje eles já são mais de 80 (oitenta). A tendência é aumentar com o processo de integração. Portanto, não devemos ser surpreendidos com os problemas decorrentes da integração, sem que para eles tenhamos as devidas soluções. O Acre precisa pensar na transferência dos seus presos estrangeiros para os seus países de origem, fazendo valer o direito internacional dos direitos humanos.

Valdir Perazzo Leite - Defensor Público

Aprendendo com Gandhi


Estou aprendendo com Gandhi a prática da ahimsa e do satiagraha - a não-violência e a força da verdade , respectivamente-, duas estratégias espirituais poderosíssimas de combate ao mal.

A biografia de Ganhi, escrita por Humberto Rohden, é a melhor que já li. Tem sido um marco em minha vida, o conhecimento das idéias e da vida deste profeta crístico.

Não praticar a violência física, verbal e mental contra ninguém, agindo sempre movido pela força da verdade. Foi assim que Gandhi levou um povo inteiro a libertar-se do jugo da escravidão.

Tanto a não-violência física quanto a não-violência verbal são mais fáceis de praticar. Já a não-violência mental exige esforço e aperfeiçoamento do espírito.

Não pensar no mal, não querer o mal para aqueles que nos ferem é atitude quase santa, mas possível de alcançar.

Na matemática primitiva do Talião, se eu fui ferido devo ferir, "olho por olho, dente por dente". Dois negativos males em sentidos opostos dá zero negativo, e estamos quites, a justiça está feita. Agindo assim, segundo Humberto Rohden, estamos apenas soletrando o á-bê-cê na escola primária da evolução.

Já na matemática espiritual de Jesus uma ação negativa com outra ação negativa dá duas ações negativas. O mal aumenta, se espalha, grassa pela terra. Combate-se o mal com o bem e não com o mal; combate-se a injustiça com justiça e não com injustiça; combate-se o erro com a verdade e não com o erro. Dessa forma, passamos a cursar a universidade do espírito.

Viver assim é muito melhor, diariamente somos guarnecidos pelo batalhão das boas forças da imensa harmonia que existe no Cosmos.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A religião dos advogados

"A liberdade da palavra forense é o ofício sacerdotal do advogado".
Rui Barbosa

É sempre atual e preocupante o tema a respeito das prerrogativas profissionais dos advogados, pois sem elas não existe advocacia. É o instrumento, é a arma, é o escudo da atuação independente e corajosa em defesa da ordem democrática.

Os verdadeiros clientes dos advogados são o Direito, a Liberdade, a Justiça, a Constituição. Não se consegue defendê-los sem prerrogativas. É como se o soldado fosse para a guerra desprovido de todo seu arsenal de combate. Ver-se, portanto, que as prerrogativas não são importantes apenas aos advogados, mas à própria existência do estado democrático de direito.

A justiça se torna injusta sem a presença do advogado. A Constituição Federal reconhece que o advogado é indispensável à administração da justiça. Para que o ato de distribuí-la se faça dentro dos princípios do direito, faz-se necessário o respeito e o fortalecimento das prerrogativas do advogado.

Quando Napoleão Bonaparte, num ato de treslouquice, extinguiu a ordem dos advogados franceses, o povo rebelou-se com tantas injustiças cometidas nos pretórios sem a palavra salvadora da defesa. Vendo que seu império poderia ser abalado com o descontentamento popular resolveu voltar atrás e restabeleceu a advocacia dizendo: "sem ela, realmente, não se pode fazer justiça." E diga-se que Napoleão tinha uma vontade imensa de cortar a língua de todos os advogados.

O estado autoritário nunca se deu muito bem com os advogados, pois a própria natureza da profissão a impele a defender a legalidade, sem a qual o desempenho de sua função social se torna débil. A primeira providência que o despotismo faz para enfraquecer a resistência civil é golpear ferozmente as prerrogativas do advogado. Assim, o inimigo político, a imprensa, o sindicato, a sociedade ficam sem a voz do direito em meio ao arbítrio.

É importante o advogado forte, corajoso, preparado, vocacionado, capaz de defender suas prerrogativas, e se necessário com a espada da justiça na mão. Sem essas prerrogativas os advogados não podem assumir suas lutas históricas, sociais, políticas, jurídicas, dos quais sempre são chamados a ocupar, na condição de líderes.

A grande bandeira da advocacia brasileira deve ser a defesa de suas prerrogativas. Inexistindo-as, teremos apenas formalmente o nome de advogados, inexistindo-as o inocente será condenado pela força do arbítrio, inexistindo-as viveremos sob jugo de acusações loucas, inexistindo-as amargaremos o envenenamento das instituições, inexistindo-as o cidadão cairá humilhado, as leis serão tirânicas, a sociedade ficará desprotegida e sucumbirá, enfim, nos braços truculentos da injustiça.

Devemos assumir a campanha que defende a tipificação criminal da violação às prerrogativas dos advogados. Além de ser crime, juiz, promotor, delegado e outros que vierem a desrespeitar as prerrogativas profissionais devem ter seus registros na OAB cassados, não podendo, portanto, exercer a profissão.

Muito depende do advogado. A advocacia é uma santa profissão. Nela devem estar os que amam a liberdade, os que amam o direito, os que amam a justiça, os que amam a democracia. Nosso dever é enfrentar os inimigos de nossos amores.

Nossa religião são as nossas prerrogativas. Diga sempre quando as violarem:"Pela ordem, excelência: respeite as nossas prerrogativas!"

terça-feira, 10 de junho de 2008

É o crime que nos sustenta?

Conversando, ontem, com um renomado membro do Parquet, ouvi dele uma verdade horripilante, ou, muito provavelmente, uma aparente verdade: "os advogados tem mais é que agradecer a atuação firme do Ministério Público no combate ao crime porque sem isso vocês não teriam o ganha- pão".

O sofisma é refinado, tão quanto aquele que diz que se não houvesse o crime muitas pessoas estariam passando fome: o policial, o promotor criminal, o juiz criminal, todos perderiam seus empregos, não haveria mais necessidade deles. A própria mídia se ressentiria da ausência dos crimes, faltariam as matérias impactosas, garantidoras da audiência e do dinheiro.

Da mesma forma os coveiros passariam fome se não fossem os cadáveres, os médicos se não fossem os doentes, os padres se não fossem os pecadores, os bombeiros se não fossem a alagação, o incêndio, os desabamentos, os psiquiatras se não fossem os doidos.

Mas deixando esses sofismas de lado, a verdade é outra.

Ao cair o véu de Isís, percebemos mais corretamente que o advogado, legitimamente, recebe seus honorários porque defende o cidadão. O promotor tem o seu salário porque defende a sociedade. O juiz tem o seu salário porque julga com justiça. A polícia tem seu salário porque dá segurança a todos e investiga os crimes. O jornalista ganha seu salário porque informa, expõe, explica e revela. Não é o delito que os sustentam.

O crime é fenômeno social, e existirá sempre, pelo menos no plano dessa nossa existência. Sendo assim, as profissões que surgem como necessidade da vida coletiva tem razão de existir para além de todos os sofismas.

Nenhum de nós temos, na existência do crime, a fonte de sustento. Não nos agrada ver crimes, sangue, dor, prisões, se assim fosse, nossas profissões seriam ignominiosas. A fonte do nosso sustento é o amor ao trabalho, a liberdade, a vida, a segurança, a paz e a fraternidade entre os homens, e é isso que dá nobreza a missão de cada um. Eu vejo assim.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Uma caboquinha simpática

Fátima é o nome da caboquinha simpática que trabalha com a minha mãe há mais de quatro anos.

A caboquinha tem três filhos pequenos e está gestante de outro. Com dificuldades sustenta a todos.

A caboquinha não se emburra nunca. Sorri para todos, agrada com o seu jeito simpático de ser. Mesmo sem dentes ela não controlava o sorriso. Agora, que colocou a dentadura, nem se fala!

Mora na periferia de Tarauacá, lá onde o rio, quando enche, atinge as primeiras casas, desabrigando seus moradores.

Seu lar é pequenino, distante, insalubre, materialmente paupérrimo. Mas como é rico o espírito da caboquinha!

Todos os dias lá está ela, ajudando minha mãe a vender café, nescau, cuzcuz, mingau, suco, bolo, baixaria, tudo que a gente gosta pra quebrar o jejum.

Toda vez que passa uma pessoa pela frente da banca, no Mercado Municipal de Tarauacá, ouve-se a voz sorridente da caboquinha: "diga freguês, um nescauzinho quente." Diga freguês, um bolinho bom". Diga freguês, um suquinho gelado."

E assim muitas pessoas, encantadas com tanta graça, param e compram e conversam e a elogiam, e ela responde que é assim porque é feliz.

Todos nós, de casa, a temos em alta conta, e procuramos ajudá-la de várias maneiras. É honesta, disposta, e trabalhadora. Vez por outra alguém procura irritar a caboquinha, mas fracassa.

A caboquinha, com todos os emprensados da vida é alegre, não conhece o estress, a preguiça, o tédio, o mau-humor, a raiva, a lamentação. Êta caboquinha evoluída. Um esbanjamento de espiritualidade.

A maior profissão do homem


"A advocacia é o maior estado do homem", dizia o filósofo e advogado francês Voltaire. Seu último desejo antes de morrer foi pedir aos seus correligionários que escrevessem em sua lápide a frase: "Eu defendi Calas".

Calas foi acusado injustamente de matar seu próprio filho. Condenado e morto, veio postumamente a ser reabilitado por meio de uma das mais belas defesas criminais de todos os tempos, feita por Voltaire. Sua defesa em favor de Calas depois se transformou no livro Tratado sobre a Tolerância. Símbolo do amor pela verdade, símbolo da nossa profissão.

Quando a Revolução Francesa deteriorou-se em terror, lá estava outro advogado, Maleshesbes, o único a aceitar defender o rei deposto Luís XVI. A condenação era certa, porque como se falava na época, quem tinha um julgador como acusador deveria contratar Deus como advogado. Mesmo assim, Maleshesbes entrou na Convenção e proferiu o seguinte exórdio: "Trago a este Tribunal a verdade e a minha cabeça, podem dispor da minha cabeça, depois de ouvir a verdade". No final do julgamento sua cabeça se abraçou com a do rei no cesto da guilhotina. Símbolo da intrepidez, símbolo da nossa profissão.

Quando Evaristo de Moraes foi procurado para fazer a defesa de um adversário político, acusado de um crime terrível, nos primeiros anos do século XX, acuado pela opinião pública, numa causa impopular, teve que pedir conselho àquele que também foi advogado e mestre da cultura brasileira, Rui Barbosa, que com mestria respondeu ao criminalista: "A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz de seus direitos legais. Mesmo se a enormidade da infração reveste-se de caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. Voz do direito no meio da paixão pública, tão insuscetível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel. Tratando-se de acusado em matéria criminal, não há causa indigna de defesa".

Rui Barbosa, embora determinando que Evaristo fizesse a defesa não acreditava na absolvição do acusado. Evaristo era um rábula, só se formou em direito aos 45 anos de idade, mas os doutores da Escola de Recife e do Largo de São Francisco já o tinham como o maior criminalista do país. O resultado do julgamento não poderia ser outro: o réu foi absolvido. Rui e Evaristo são símbolos do amor ao direito, símbolos da nossa profissão.

Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção aos Animais para tirar do cárcere os comunistas Luís Carlos Prestes e Henry Berger, presos, pelo Tribunal de Segurança da Ditadura Vargas, num cubículo que não os cabia em pé. Sobral pinto era um homem conservador e considerado pelos comunistas como de direita. Quando o Cavaleiro da Esperança disse a Sobral que não queria ser defendido por um liberal, a resposta do advogado foi dura e certa: "não defendo você, defendo a liberdade". Sobral morreu pobre, não cobrava honorário. Símbolo da liberdade, símbolo da nossa profissão.

Não podemos esquecer o grande João Alamy Filho, que defendeu os irmãos Naves, acusados de um crime que não cometeram, um graúdo erro judiciário. O Júri os absolveu por três vezes, mas o Tribunal dos togados anulava a decisão do Júri e os condenava. Não existe justiça melhor que a do Júri, sete cabeças tiradas do meio do povo julgam melhor do que uma, presa à lei, ao status e distante da vida concreta dos cidadãos. O Júri é o melhor meio de punir o criminoso, e o melhor abrigo da inocência. Só se critica a justiça do júri, já diziam os mestres, aqueles que não têm capacidade de fazê-lo. Alamy Filho, símbolo da persistência, símbolo da nossa profissão.

Não podemos esquecer Emile Zola na defesa de Dreifus, capitão francês acusado de alta traição. Dreifus sofreu as mais terríveis humilhações. Foi com a atuação do grande escritor que mais tarde veio a se provar a inocência do réu. Da sua defesa, nasceu o imortal libelo contra o arbítrio, Eu Acuso.

A reação, por sua vez, à intrepidez dos advogados partiu de todos os lados mormente dos poderosos.

O general romano Marco Antônio nutria um desejo louco de cortar a língua de Cícero, o maior orador e advogado de todos os tempos. Tanto defendia como acusava impiedosamente. São famosas as catilinárias e as verrinas, discursos de veemente acusação contra Catilina e Verres, conspiradores que atentavam contra a república romana. Assim era Cícero, que na defesa da ética e da verdade defendia acusando. Símbolo do dever, símbolo da honra, símbolo de nossa profissão.

Reeditou a vontade de cortar a língua dos advogados o Napoleão Bonaparte. Extinguiu a ordem dos advogados franceses, mas teve que em pouco tempo institucionalizá-la novamente, por causa da grande revolta que causou na França processos feitos sem direito a defesa. Ver-se daí que o advogado é imprescindível à administração da justiça, exerce função social das mais belas e necessárias da humanidade.

A Santa Inquisição dispensava o advogado porque segundo seus ideólogos, entre eles o medonho Torquemada, serviam apenas para procrastinar o feito. Um processo nesse período durava menos de um dia. À tarde, o cheiro de carne assada, era sinal que um herege já tinha sido condenado. Para os inquisidores se o acusado era inocente não precisava de defesa. Se o réu passasse em cima de brasa quente e não se queimasse, era pessoa sem culpa. Era a justiça das órdalias, sem advogado. Nunca encontrava-se um inocente. Sem advogado não há justiça e sem justiça não há advogado.

Os advogados também foram dispensados no período nazi-fascista e no período stalinista. Morriam sem direito a defesa, nos campos de concentração de Hitler e nos cárceres da Lubianka de Stalin. Trotski, o grande advogado dos acusados nos processos de Moscou recebeu covardemente uma picaretada em seu cérebro a mando de Stalin. Trotski símbolo da coragem, símbolo da nossa profissão.

Sem democracia não há advogado sem advogado não há democracia. Sem advogado e sem democracia, como já denunciava o Águia de Haia, triunfa as nulidades, prospera a desonra, cresce a injustiça, agiganta-se os poderes nas mãos dos maus, os homens desanimam da virtude, riem da honra e têm vergonha de serem honestos. Segundo Pedro Pimentel Gomes, para o advogado enfrentar o despotismo "deve ter a coragem do leão e a mansidão do cordeiro; a altivez do príncipe e a humildade do escravo; a rapidez do relâmpago e persistência do pingo d´agua; a solidez do carvalho e a flexibilidade do bambu".

Os mandamentos do advogado, de Eduardo Couture resume a essência da nossa profissão: estuda, pensa, trabalha, luta, sê leal, tolera, tem paciência, tem fé, esquece, ama a tua profissão. "Procura considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado".

Os advogados precisam urgentemente levantar duas bandeiras de luta: a primeira é a exigência da ampliação e do respeito às prerrogativas da classe; a segunda é o combate frontal contra a "juizite" e a "promotorite".

A classe não pode ficar passiva diante da afronta e do desrespeito a suas prerrogativas. Não existe hierarquia entre promotor, juiz e advogado devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Nenhum medo de desagradar quem quer que seja deve deter o advogado na luta pelos direitos de seus clientes. Não existe país livre sem advogados livres.

Acontece que alguns juízes, felizmente são minoria, transformam o poder sagrado que têm de distribuir justiça em mecanismos de iniqüidades e maledicências, abusando de sua autoridade, quedando-se inerte ante a violação da lei e atentando contra os direitos e garantias dos cidadãos, denegando justiça e violando sua imparcialidade, achando-se os donos do mundo, exteriorizando todas as suas frustrações em cima dos mais humildes, geralmente comportando-se com doçura frente aos grandes e com amargor frente aos pequenos. Isso é juizite!

Também existe o promotor que abusa do seu poder de denunciar e acusar, convertendo a desgraça alheia em pedestal para angariar êxitos e satisfazer vaidades, maculando sua ações com empregos de meios condenados pela ética dos homens de honra, esquecendo que deve falar em nome da lei, da justiça e da sociedade. São todos verdadeiros liberticidas atrozes, primeiros a exigirem direitos constitucionais quando caem em desgraças. Isso é promotorite!

Justiça não se constrói com abusos e autoritarismos. Com altivez e coragem os advogados precisam enfrentar esses doentes, representando-os civil e criminalmente, para que possam saber que não estão acima das leis, denunciando-os publicamente, com a mesma verve de Cícero. Nossa história não comunga com covardias. A boa justiça só pode ser alcançada com bons advogados, bons juizes, bons promotores. E com bons protagonistas no mundo jurídico as pessoas dignas triunfam, a honra ascende, a justiça é bem distribuída, o poder transfere-se para as mãos dos justos, os homens passam a defender a virtude, a zombar da desonra, a assumir a condição de honestos nas ações, como bem frisou o escritor Orlando Derezen, parafraseando Rui Barbosa.

Como bem ensinava Couture, "tem fé no direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como o destino normal do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz. E quando encontrares o direito em confronto com a justiça, luta pela justiça." Que sejamos, portanto, como definia Cícero, "os homens de bem que sabem falar!"

"Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso".

Raríssimas coisas conseguem me abalar facilmente.

Mas hoje fiquei impressionado. A matéria me foi enviada pelo Palazzo, diretor do jornal eletrônico Tarauacá.com.

Uma criança iraniana teve seu bracinho esmagado por um carro, como penalidade imposta por ter roubado, para comer, um pedacinho de pão.

Todos os capítulos do Alcorão começam com a seguinte frase: "Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso". Tudo isso foi feito em nome de Alá e de seu profeta Maomé.

A criança chora, grita, tenta se defender, não sabe a razão daquilo, não compreende, nem sabe se é verdade, mas um homem segura firme o bracinho dela enquanto a roda do caminhão o estraçalha.

Com um alto-falante o homem narra o episódio a todos. Ninguém reage.

Tanta maldição humana só pode ter origem no fanatismo, na intolerância, na completa ausência de Deus na religião que professam.

O fato é tão animalesco que eu me senti culpado por ter tirado o braço daquele anjinho indefeso. Foi um ataque a toda humanidade, um vilipêndio a nossa natureza divina. Tende piedade de nós, Deus Clemente e Misericordioso.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O cavaleiro do bem

Muitos já compararam a figura do advogado com a do cavaleiro que luta contra o mal.

A imagem é boa, e resgata o romantismo da profissão. E São Jorge é o cavaleiro que melhor nos representa. Montado em seu cavalo enceta sua lança contra o dragão.

Usando as palavras de Maurice Garcon, "a profissão do advogado é uma luta permanente: para defender uma pessoa ou um direito, para fazer respeitar um princípio, para obstar um arbítrio, para desmascarar uma impostura, para atacar um potentado que abusa do seu poderio".

No século III d.C, quando o imperador Dioclesiano, em Assembléia, anunciava o plano para perseguir e matar os cristãos, eis que se levanta um jovem cavaleiro do exército romano, orador brilhante, e pede a palavra e defende os seguidores de Cristo. Foi torturado e morto, mas teve a coragem de enfrentar o dono do maior império da terra.

E ainda, como São Jorge, deve o advogado ser amante da lua, das estrelas, dos astros, da poesia, da música, da ternura, como forma, também, de combater seus dragões interiores.

Conseguirá assim, sem armas, dominar a força; sem força, afastar a violência, e reduzir o fausto e a prepotência à modestia e ao temor.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A grandeza do Homem

Jesus, pela grandiosidade de sua dimensão, é reivindicado por todos.

Os advogados o consideram o maior de todos os advogados.

Os executivos o consideram o maior de todos os executivos.

Os líderes o consideram o maior de todos os líderes.

Os psicólogos o consideram o maior de todos os psicólogos.

Os médicos o consideram o maior de todos os médicos.

Os juízes o consideram o maior de todos os juízes.

Os mestres o consideram o maior de todos os mestres.

Os diplomatas o consideram o maior de todos os diplomatas.

Os oradores o consideram o maior de todos os oradores.

Os médiuns o consideram o maior de todos os médiuns.

Eis a grandeza do Homem, encarnação perfeita do Verbo Divino. É de todos.

A boa e a má fama do advogado

A boa fama do advogado só se conquista com muito trabalho, ciência, talento e ética.

O advogado deve zelar pelo seu bom nome, pensando, falando e agindo sempre da maneira mais certa possível.

Na ambição de ganhar dinheiro fácil muitos enveredam pelo erro, ao aceitarem qualquer causa, não medindo as conseqüencias futuras advindas da impaciência. Usam de todos os artícifios para enganar, sugar mais dinheiro do cliente, e fugir de suas responsabilidades. Até podem ganhar muito dinheiro, no início da profissão, usando esses expedientes, mas ninguém é capaz de enganar o tempo todo, como afirmava o grande advogado americiano Abraão Lincoln.

Ficam assim malvistos pelos seus constituintes, pelos familiares dos constituintes, pelos amigos dos constituintes. Que por sua vez reproduzem as críticas aos vizinhos, aos policiais, aos outros advogados, aos serventuários da justiça, aos magistrados, aos promotores etc. Essa é a pior propaganda. Em pouco tempo a profissão restará inviabilizada.

Por outro lado, quando o advogado seleciona suas causas, trabalhando nelas corretamente, dedicando-se com amor, usando o talento, a ciência e a ética na defesa dos direitos a si confiados, angaria a justa admiração de todos. Vai se firmando na carreira, constriundo sua casa sobre a rocha. Pode ter prejuízos financeiros ao recusar o patrocínio de causas ilícitas, imorais ou juridicamente inviáveis. Mas crescerá com paz de espírito e respeito, a cada dia dando mais um passo no caminho do bom sucesso.

O primeiro caminho é tentador, mas leva a perdição. O segundo caminho é dificil de trilhar, mas leva a salvação. O primeiro caminho transforma a advocacia na mais vil das profissões. O segundo a transforma na mais nobre delas.

O plantio é livre, mas a colheita é obrigatória.

terça-feira, 3 de junho de 2008

O pai que iria acusar o filho

Sócrates, certo dia, ao encontrar seu amigo Eutífron no pórtico do Forum ateniense lhe fez a seguinte pergunta: "O que estás fazendo aqui, sábio Eutífron, neste templo de Têmis? És vítima, és réu, és acusador, és defensor, o que és? Sócrates continuou a falar: "Vítima não podes ser, já que ninguém ousaria cometer qualquer atentado contra homem tão bom. Réu também não, visto que Eutífron é incapaz de violar o direito do mais perverso escravo. Acusador? Acredito não sejas, pois esta tarefa é incompatível com o conhecimento que tens da natureza humana. Imagino que és, então, defensor de alguém".

Eutífron respondeu à Sócrates: "Não sou nada do que falaste, encontro-me na condição de testemunha contra meu próprio pai, que agrediu violentamente um escravo. Estou aqui para denunciá-lo".

Sócrates olhou decepcionado para Eutífron e lhe falou: "Isso é uma impiedade, não podes ser o algoz do teu próprio pai, mesmo que ele seja culpado. Tua ação contraria a natureza das coisas, e se fizeres isto não te terei mais na conta de um homem correto, e também sofrerás o desprezo dos próprios juízes".

Eutífron, após ouvir atentamente seu mestre, fez minuciosa análise de sua consciência, concordou com Sócrates e lamentou o erro que poderia ter cometido.

Para Sócrates, a piedade é componente da justiça, pois sem ela a ira passa a pautar e corromper o conceito de justiça, tornando-se perversamente maligna.A Bíblia também está cheia desses ensinamentos. Tiago alerta que aquele que julgar sem piedade, sem compaixão, sem caridade sofrerá o mesmo julgamento. É a lei da causa e do efeito, tão bem expressa na frase popular "do aqui se faz aqui se paga." Cícero também ensinava que "justiça excessiva não passa de injustiça". E Jesus, no Sermão do Monte, disse: "Bem aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia". Essa visão, de piedade ligada ao conceito e justiça, é adotada quase que unanimemente na filosofia, na religião e no direito.

Encontrei, certo dia, no Fórum, um senhor chamado Francisco. Conversando com alguns amigos meus sobre um julgamento que estava acontecendo, percebi que num assento ao lado, seu Francisco escutava o diálogo e concordava com o que eu dizia. Argumentava eu que se um homem trabalhador e bom pai de família ao chegar em seu lar e avistasse sua esposa mantendo relações sexuais com outro homem tinha o direito de defender sua própria honra, e que caso viesse a matá-los deveria ser absolvido. Sei que essa idéia hoje é rechaçada pela maior parte da jurisprudência dos tribunais, no entanto não é isso que a jurisprudência do Tribunal do Júri adota. Se o Júri absolve os matadores passionais é porque a sociedade assim pensa, já que os jurados representam de forma brilhante os sentimentos do homem normal de nosso meio.

Desfeita a roda de bate-papo perguntei aquele senhor se ele era parente do réu que estava sendo julgado, já que estava concordando com o que eu dizia. Ele respondeu que não era parente nem amigo, mas concordava comigo, e que estava ali esperando o próximo julgamento. Falou que seu filho iria ser julgado e que era testemunha de acusação no processo.

Sofri logo de início o impacto, e disse-lhe: "Mas isso é uma malvadeza, uma impiedade. Jamais vi um negócio desses; um pai acusar seu próprio filho? Não, não concordo". Seu Francisco me falou que seu filho não valia nada e que este era culpado pelo crime que cometeu. Confidenciou-me que seu filho já tinha até lhe batido. Asseverei-lhe que culpado todos nós somos e que ele enquanto pai deveria perdoar o filho e ajudá-lo no que pudesse. Lembrei-lhe de como seria triste para o filho dizer na cadeia que tinha sido condenado pela versão de seu genitor. O ódio seria alimentado eternamente, e que caberia a ele se reconciliar com seu filho.

E concluí afirmando que um pai não tem a força para absolver um filho, já que defendê-lo faz parte da ordem natural das coisas; mas que tinha força para condená-lo, pois se o próprio pai acusa, presume-se a culpa. Que, além disso, ao invés de ter o aplauso do Júri, teria o desprezo. "O jurado não acusa seu próprio filho, o juiz não acusa, o promotor não acusa, o advogado não acusa, ninguém acusa, o senhor vai acusar seu próprio filho?"

Convencido do que lhe falei lamentou ser testemunha de acusação, e disse-me que estava obrigado, nessa condição, de testemunhar contra o filho. Respondi que ele não era testemunha, mas simples informante, e que poderia deixar de depor ou até mudar a versão dos fatos para beneficiar seu filho, e que nada aconteceria com ele. Disse-lhe que não estava obrigado a dizer a verdade para acusar seu filho e que ninguém, nem o processo penal, nem a moral, nem a religião exigiria dele conduta diversa.

Percebi o contido lacrimejar nos olhos de seu Francisco e consolei-o. Era um homem cheio de dor e desespero. Ele me agradeceu e disse que iria ajudar seu filho. Soube depois que cumpriu seu propósito.

Seu Francisco não é Eutífron, nem eu – imagine ! – sou Sócrates. Mas a história é um armazém de precedentes, e é realmente a mestra da vida. Senti-me envolvido de boas sensações e fiquei na certeza que tinha realizado pequena, mas nobre missão espiritual, qual seja, a de fazer seu Francisco se reconciliar com o filho, ao mostrar-lhe quão grandiosa é a justiça quando vestida com o belo manto da divina piedade.

Seiscentos milhões de diabos


Conheci um advogado que, ao fazer sustentação oral no Tribunal do Júri, a todo momento, recorria as expressões religiosas, como forma de convencimento.

Sem estudar os autos, acreditava que a manifetação hiperbólica de sua fé seria suficiente para convencer os julgadores, e, assim, conseguir a absolvição.

E começou: "Essa prova, senhores jurados, não pode ser aceita, porque ser for aceita... Aaaaafé Maria Nossa Senhora Deus nos defenda de todo o mal".

E assim levou a defesa.

"Isso aqui é verdade, por Deus do Céu".

"Isso aqui é mentira, por Nossa Senhora".

Na conclusão da sustentação oral, empostando a voz, verberou: "Não pode haver condenação porque se houver condenação... Aaaafé Maria Nossa Senhora Deus nos defenda de todo o mal".

Os jurados decidiram contra o réu por seis votos a um.

O advogado, irresignado, murmurou: "Ah seiscentos milhões de diabos". Não sei de onde tirou tanto diabo.

Saiu espraquejando e difamando a instituição, pra Deus e pro mundo, e nunca mais deu as caras.

E ainda hoje acha que tem autoridade para criticar o Tribunal do Júri.

A luz na escuridão

Há alguns instantes a luz se apagou.

Permaneci na sala. Não via mais a minha beca pendurada na parede, as imagens de Jesus e de buda na escrivaninha, meus livros na estante.

Escuridão total.

Peguei meu isqueiro e o acendi. Voltei a ver tudo novamente.

Alternei, então, luz e escuridão, durante vários minutos.

Pude compreender melhor, nesses simples gestos, a frase de Gandhi: "O amor de um netraliza o ódio de milhões". A luz de um dissipa a escuridão de milhões.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

As duas armas de Gandhi

Huberto Roden, na biografia que escreveu sob Gandhi, o chamou de "o mais puro discípulo de Jesus".

Mahatma Gandhi foi influenciado basicamente por dois textos: o Gita, de Krisna, e o Sermão da Montanha, de Jesus Cristo.

Construiu, a partir dessas fontes, duas armas poderosas com que lutou em prol da humanidade: a ahimsa e a satiagraha.

Para a Grande Alma, esses dois princípios devem ser aplicados no direito, na política, na vida social.

A ahimsa é a não violência, e a satiagraha é a força da verdade. São duas forças onipotentes, sagradas, ensinadas por Jesus. "Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra". "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".

Em sua autobiografia, História de minhas experiências com a verdade, Gandhi afirma que o amor de um homem tem a força de neutralizar o ódio de milhões.

O Mahatma, assim o definiu o poeta Tagore, foi um homem cósmico, divino, a clara presença da luz no meio da escuridão. O poder do espírito vencendo o espírito do poder.

Tenho fortalecido minha atividade como advogado bebendo desse néctar celestial. Aplico melhor o direito, sirvo melhor a sociedade, analiso melhor a vida, nosso destino, nossa missão, o que realmente vale.

Disse Einstein, a respeito de Gandhi: "Um condutor de seu povo, um homem superior, de infinita sabedoria. Dificilmente as gerações futuras compreenderão que tenha vivido na terra, em carne e osso, um homem como esse."

Passados noventa anos de seu assassinato, Gandhi vem se perenizando na consciência universal como modelo de perfeição espiritual a ser buscado.